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“Tecnologia não gera desemprego, provoca a qualificação da força de trabalho”

Paulo Eduardo Guimarães, Presidente da Afrac, fala sobre uso da IA para prever demanda, reconhecimento facial como meio de pagamento e sobre o impacto da IA nos empregos

26/01/2024

“Tecnologia não gera desemprego, provoca a qualificação da força de trabalho”
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Por Daniel dos Santos

Paulo Eduardo Guimarães, mais conhecido como Peguim, conhece bem a área de tecnologia para varejo, tendo trabalhado em cargos de liderança no segmento de TI para o comércio e serviços na IBM no Brasil e em outros países na América Latina. O executivo, que atualmente é empreendedor e presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para o Comércio e Serviços (Afrac), conversou com o AIoT Brasil sobre o uso da IA para prever demanda, identificar hábitos de consumo, sobre o uso do reconhecimento facial como meio de pagamento, abordou a questão da tecnologia associada ao desemprego e destacou que tecnologias devem impulsionar o comércio e o varejo em 2024.

AIoT Brasil: Qual o principal papel da Afrac?
Paulo Eduardo Guimarães – A Afrac é a entidade que representa todo o ecossistema de tecnologia para o comércio e serviços. Então temos no quadro de associados, por exemplo, fabricantes de máquinas, de tablets, muitas softwarehouses, empresas de meios de pagamento, distribuidores de TI, revendas de TI e prestadores de serviços. Esse ecossistema se junta na Afrac por diversas razões. As mais óbvias e importantes são o fato de que a Afrac trabalha junto aos órgãos governamentais, mas também junto a empresas para viabilizar a entrada e difusão de novas tecnologias para o comércio e serviços. E a Afrac também trabalha o lado regulatório do setor de forma que fique viável para todos. De acordo com um estudo da Deloitte, mais de 84% das transações B2C no Brasil passam, de alguma forma, por algum associado nosso.

 AIoT Brasil – Quais tecnologias que você acredita que vão se destacar em 2024 no varejo?
Paulo Eduardo Guimarães – É preciso olhar isso por alguns ângulos. Por exemplo, tendo o ângulo de inovação, que geralmente é um ângulo muito midiático, sem sombra de dúvida são as tecnologias voltadas ao uso de inteligência artificial. Do ângulo operacional, que remete a custos, a desempenho, é a arquitetura de nuvem com thin client e rodando na plataforma Android OS.

Na parte dessa arquitetura, ela traz muito benefício de desempenho e custo. Imagina que toda a sua solução roda num data center apropriado, com desempenho apropriado, qualquer atualização é feita automaticamente em todos os devices, o Android não tem aquela problemática de segurança, então, desde os investimentos com hardware, com segurança e com atualizações, é uma plataforma que dá um perfil de custo melhor, um desempenho maior e uma flexibilidade, então, muito acima da média. Qual era o impedidor dessa arquitetura caminhar com mais velocidade? O Brasil, há algum tempo tinha um mapa de cobertura de dados muito aquém dos países de primeiro mundo.

Isso foi, de certa forma, já foi resolvido na maior parte, nos maiores centros econômicos. Hoje você faz uma transação confiável, rápida, dificilmente você não tem rede disponível, isso favoreceu a implementação dessa arquitetura e a gente como entidade, a gente também ajudou. A gente buscou empresas como a Amazon, a Azure da Microsoft e outras, fizemos programas, desenhamos programas para o pessoal do comércio e serviço, até incentivos econômicos para ele migrar, para ele fazer a jornada de modernização da arquitetura dele. E isso está em pleno curso. Dos nossos associados, entre 40% e 55% já migrou, mas ainda falta metade.

Do outro lado, as soluções com inteligência, elas remetem muito mais a atender às demandas do consumidor do que do negócio. Então, hoje um motor simples de inteligência, se você tem um programa de fidelidade ou alguma coisa, ele pega pelo seu usuário, identifica que tipo de coisas você prefere, você gosta, históricos e sabe o que você andou comprando ultimamente. Se, por exemplo, o consumidor comprou um aparelho de som, agora vou oferecer para ele um telão.

As soluções de inteligência, que antes eram muito difíceis de serem usadas, agora elas estão muito simples. O GPT-4, o Gemini, do Google, eles já vêm com interfaces muito bem estruturadas para você consumir aquilo. O meu programa manda um comando para o GPT-4 e o GPT-4 retorna para mim no modo que eu quero. Isso já vem para dentro do meu programa, cai na minha tela e tudo acontece de forma mais ou menos automática.

Então, essas soluções que envolvem inteligência, elas vão desde a mais pirotécnica até a mais operacional. Por exemplo, hoje uma grande rede supermercadista colocou um motor de inteligência para analisar os níveis de estoque da loja, o que antigamente era feito com tabelas de Excel, e essa solução tem para quase todo o comércio de serviços. Esse motor de inteligência, ele analisa a sua sazonalidade de vendas, o quanto você vendeu ano passado. E algumas delas levam em conta até a condição climática. Então, é uma ferramenta muito prática, que antigamente era uma “ciência artesanal”. Isso hoje é endereçado através de inteligência artificial, que fala com os motores através de APIs.

 AIoT Brasil – Resumindo, o varejo tem utilizado muito a IA para conhecer melhor o seu consumidor, saber as preferências dele e interagir com essas preferências…
Paulo Eduardo Guimarães – Previsão de demanda. Há soluções fantásticas para a previsão de demanda. Mas não se restringe a só isso.  As soluções de inteligência também estão muito presentes na interface entre o cliente e o varejista. Por exemplo, eu fiz alguma coisa na sua loja física hoje, comprei um determinado produto, essa mesma solução de inteligência é capaz de me localizar em uma rede social e me mandar um convite para seguir a loja. Ou se ela detectar, por exemplo, que você fez uma compra no Piauí. Ela consegue distinguir que você pertence a uma determinada base, que você está fora da sua base, e pode até te recomendar essa loja.

Os sistemas de inteligência funcionam em três níveis. Um nível é de data lakes, que são lagos de informação. Então, dentro da minha casa, da minha loja, eu tenho um data lake, são os meus clientes. Mas eles também funcionam em buscas abertas. Eu sei o seu nome, eu jogo uma busca aberta e sei que você tem Instagram. E peço para seguir e, dependendo do seu setup no Instagram ou no LinkedIn, ele já vai dizer onde você está. Ele não dá a localização exata, mas vai dizer que você está fora da sua base em tal zona. E essas buscas abertas só são viáveis com inteligência artificial, porque senão você precisaria de um batalhão de gente fazendo as coisas.

AIoT Brasil – Como você avalia o nível do uso do reconhecimento facial como forma de pagamento no varejo aqui no Brasil?
Paulo Eduardo Guimarães – O Brasil tem duas empresas muito competentes e avançadas no uso do reconhecimento facial. É uma tecnologia superpoderosa com baixíssima chance, quase zero, de restrição de segurança e tem uma demanda de conectividade alta.

O pacotinho de dados ali não é tão pequeno assim, para ir e voltar. Mas é um dos caminhos, a questão de pagamento está em total ebulição e esse é um dos caminhos mais promissores. Se todo cidadão tiver sua biometria registrada e eu tiver um cartório grande nacional, aí todas as minhas contas podem ser pagas por lá. É um sistema que vai evoluindo pouco a pouco, mas é muito promissor.

AIoT Brasil – E como está o volume de adoção do reconhecimento facial como forma de pagamento? Ainda há muito a crescer?
Paulo Eduardo Guimarães – Ainda tem muito a crescer. O interessante é que você pode sair de casa sem lembrar de pegar nada, basta o seu rosto. Mas ainda tem muito a crescer justamente por isso, porque tem que existir uma base de dados grandes, de dados biométricos grande, guardados de forma segura e que tenha uma autoridade com fé pública. Isso é como um cartório quando armazena assinaturas. Ali ele garante que é verdadeiro.

AIoT Brasil – E chegará o momento no qual o reconhecimento facial vai ser amplamente utilizado? Não precisarei mais sair com a carteira de casa?
Paulo Eduardo Guimarães – Eu acredito que sim, esse é um caminho sem volta. Agora eu não consigo me arriscar a dizer quando. O McDonald’s fez um projeto bem interessante, porque eles têm um processo lá muito massivo, então é um processo bastante interessante de autoatendimento. Ali eles estão estudando colocar a biometria facial, porque ali você já vai estar na frente do totem fazendo o seu pedido. É uma tecnologia de muito potencial. Em alguns lugares você naturalmente estará na frente de uma tela que provavelmente tem já uma câmera de segurança.

AIoT Brasil –  A tecnologia de reconhecimento facial, está evoluindo com rapidez? Paulo Eduardo Guimarães – Sim, o último hardware que eu vi, a empresa garantia 0% de chance de falha, mas ele era operado com três câmeras, separadas 10 centímetros de cada uma. É feita uma renderização, porque você sempre dá uma mexidinha no rosto para falar, e em vez de pegar só unidimensional da frente para levar para o banco de dados, eles criam um arquivo cubo 3D.

AIoT Brasil –  O avanço da tecnologia no varejo permite a redução de custos, mas ao mesmo tempo que a gente a utiliza (você citou aí os totens do McDonald’s, ou mesmo esses supermercados com caixas de autoatendimento), tem impacto na questão do desemprego. Como a Afrac vê essa questão de redução de mão de obra?

Paulo Eduardo Guimarães – Na realidade, essa é uma questão que não é nova. Lembra quando chegaram os primeiros caixas eletrônicos?

AIoT Brasil – Sim. E hoje você quase não tem caixas humanos nos bancos, não é?Paulo Eduardo Guimarães – Eu fui o responsável por trazer esse sistema da IBM para o Brasil. Na época tinha a comissão dos sindicatos dos bancários que vinha falar com a gente porque os funcionários que iam trabalhar nos caixas iam perder emprego. Mas você sabe que eu não conheço perda de emprego por causa disso? Sabe o que acontece? Os empregos são reformulados. O problema que vai ter é que o banco vai prescindir de um emprego e vai necessitar de uma qualificação um pouco diferente.

É esse caminho que tem que ser equacionado, mas é um processo gradual. Acho que até hoje a entrada dessas tecnologias só contribuiu para o mercado de trabalho. A empresa ou instituição bancária não coloca três autoatendimentos para demitir três caixas ou seis caixas. Ela coloca três autoatendimentos para reduzir a fila, para ficar operacional, às vezes, num horário estendido. Então, todo mundo que usa hoje o autoatendimento, a necessidade primária é a melhoria da qualidade do serviço que ele está prestando.

O fato de o mercado trazer novas tecnologias e provocar o mercado de trabalho para que a força de trabalho se aprimore, a longo prazo é bom para a força de trabalho. Imagina se eu estivesse fazendo a mesma coisa desde que comecei a trabalhar, se a tecnologia não tivesse mudado. Eu nunca perdi o emprego, sempre fui aprendendo coisas novas.

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