A série “Adolescência” escancara a impotência dos adultos diante do que se passa nas redes, espaço que muitas vezes incentiva o ódio disfarçado de influência.
09/05/2025
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Por Fabiana Macedo*
Garoto mata garota porque se sentiu humilhado por ela em uma rede social: esse é o resumo cru da série britânica “Adolescência”, que está em primeiro lugar entre as mais assistidas no Netflix e tirou o sono de mães e pais mundo afora. E não foi à toa. Sem dó, a série mostra a impotência dos adultos diante dos efeitos negativos da internet em jovens e crianças e, sobretudo, o poder dos algoritmos. Aqui cabe um alerta de spoiler: nas próximas linhas cito vários fatos importantes da série.
Os autores não queriam dar respostas. Apenas mostraram que Jamie, de 13 anos, esfaqueou sua colega de escola Katie por causa de um post que o definiu como “incel”, ou celibatário involuntário – quem é incapaz de ter um relacionamento amoroso. Por trás de tanta fúria estavam, é claro, adultos que alimentam os sentimentos de misoginia e machismo que resultam nesse tipo de bullying cruel.
O mais conhecido deles é um sujeito muito sinistro chamado Andrew Tate, citado no segundo episódio da série, quando a detetive que investiga o crime o define como “aquela porcaria” – para não dizer outra coisa. Ele é um exemplo perfeito do que há de pior na masculinidade tóxica: réu por estupro e tráfico humano, odeia as mulheres, diz que elas são a causa dos problemas dos homens e chegou a ser banido do Twitter. Quando a rede foi comprada por Elon Musk e passou a se chamar X, Tate teve sua conta restaurada e hoje soma mais de 10 milhões de seguidores.
Se figuras deploráveis como Tate ficassem restritos ao seu círculo de adultos machistas e frustrados, não causariam tanto prejuízo. O desastre acontece quando passam a influenciar jovens inseguros que precisam de aprovação social. E é aí que entram os algoritmos, a IA e as redes sociais. Esse pacote é embrulhado em papel brilhante e entregue como um presente irresistível para crianças e adolescentes.
Esses jovens são afetados pelo espelho algorítmico, que distorce sua autoimagem e molda um tipo de comportamento baseado em curtidas e comentários nas redes. E qual é a fonte de tudo isso? A omissão dos adultos? A falta de responsabilidade das big techs donas das redes sociais? A ausência de políticas públicas e regulamentação? Um pouco de tudo isso, talvez.
No Brasil já há iniciativas como a Lei 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas, e a publicação “Crianças, adolescentes e telas: guia sobre o uso de dispositivos digitais”, lançada agora em março pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Ainda ficam longe de resolver o problema, mas valem como primeiros passos.
Também chamou atenção em “Adolescência” a técnica de plano-sequência em que cada episódio é gravado em uma tomada única sem cortes digitais, o que o diretor Philip Barantini e Stephen Graham, cocriador da série e o ator que faz o pai do garoto, já haviam usado no filme “O chef”, de 2022. Mas o que fica mesmo na memória (spoiler) é o choro de pura impotência do pai abraçado ao bichinho de pelúcia de Jamie, dizendo “Eu poderia ter feito mais”, na última cena da série. É a sensação, de doer o coração, de não saber o que fazer para evitar tudo aquilo – e sentir o alívio de os meus filhos não serem mais adolescentes nessa sociedade do algoritmo.
*Fabiana Macedo é mãe do Gabriel, madrasta da Maria e diretora geral da Punto Comunicação, do portal de inteligência artificial AiotBrasil (www.aiotbrasil.com.br) e do podcast Expresso Talks