Com a IA física, não estamos apenas ensinando máquinas a se mover. Estamos redefinindo o que significa viver, agir e inovar no mundo
27/10/2025Por Marcio Aguiar
Tamanho fonte
A humanidade sonha com robôs há mais de um século. Seja na literatura, cinema ou qualquer outra expressão de cultura, há muitas décadas existe um espacinho especialmente reservado para abordar a ideia de seres humanoides capazes de imitar movimentos, raciocínios e interações humanas.
Nessas histórias eles assumem vários papéis, mas quase sempre surgem como uma resposta ao desejo do ser humano de alcançar prodígios que são impossíveis para nós. Seja por nossas fragilidades, limitações ou mesmo pela complexidade, volume ou periculosidade de certas tarefas, sempre pensamos os robôs como aqueles que, diferente de nós, conseguiriam realizar mais, facilitar nossas vidas e possibilitar o que antes era inalcançável.
O mais interessante é que hoje já observamos esses robôs como parte de nosso cotidiano. Em diversas fábricas, galpões, linhas de processos e produção, lá estão eles, automatizando processos, realizando tarefas árduas e resolvendo problemas complexos. Pode parecer pouco, porque ainda não se vê um robô humanoide andando na rua ao lado de um ser humano, mas a verdade é que até esses robôs já estão mais próximos do cotidiano do que se imagina.
O interesse na ideia de um robô humanoide se dá, em grande parte, por uma questão de adaptação. Um humano vive bem no mundo, porque o mundo foi adaptado para abrigá-lo ao longo dos séculos. Uma cadeira tem o formato adequado para o corpo humano, porque foi pensada assim. Para um robô, ter a forma e a mesma gama de movimentos e precisão de um humano, o permitiria interagir com um mundo que já está pronto. Em um ambiente fabril, por exemplo, é mais simples adaptar o mundo. Para permitir robôs andando livres, adaptar o mundo todo é complexo demais e inviável, inclusive pelo fator de convivência com o humano. Sendo assim, a resposta natural de pesquisadores, desenvolvedores e engenheiros está, há décadas, em treinar robôs para que eles sejam cada vez mais hábeis em realizar tarefas humanas simples, com corpos relativamente humanos. Porém isso é muito mais complicado do que parece.
Uma tarefa simples como lavar uma louça é muito mais complexa do que se imagina em termos programáticos, mesmo que nosso cérebro a realize com certa facilidade. Há uma série de movimentos de levantamento, abaixamento, pressão, adequação a diferentes texturas, percepções táteis, ordens lógicas de comandos, avaliações e atenções que para os humanos são simples, mas quando se precisa transformar em linguagem de máquina, equipamento físico e controle, são muito complexas.
Nesse cenário, é que podemos contar com um dos mais recentes saltos tecnológicos. Ouso dizer que talvez um dos grandes saltos da ciência mundial das últimas décadas. Falo da evolução da IA, que no contexto da robótica, se expressa pela IA física, que nada mais é do que uma IA com um pré-treinamento que engloba contextos da física real e expressa do mundo, com conceitos e entendimentos que vão da gravidade às variações de pressão em um movimento tátil. É algo que foi pensado para que a máquina entenda o mundo real e possa interagir de forma complexa com ele.
Essa IA é criada por uma técnica chamada de aprendizado por reforço, em que soluções são encontradas para imprevistos, permitindo uma autonomia de aprendizado para a IA. Aqui há uma combinação de muitas tecnologias, mas o ponto é que quando se passa a usar IAs desse tipo para ensinar movimentos a um robô, ele passa a interagir com o mundo de forma muito mais “humana”.
Agora pense no potencial que isso tem. Com as noções de física do mundo real, posso treinar meu robô para ir além, sofisticando cada vez mais seus movimentos e habilidades. Logo, robôs humanoides serão tão comuns quanto aqueles que hoje povoam galpões e fábricas, e isso vai mudar tudo em termos de praticidade e acesso. Em breve, atividades de risco ou que exijam atenção contínua contarão com o auxílio de máquinas altamente capacitadas. Além disso, é importante lembrar que essas habilidades robóticas também possuem aplicações diferentes do óbvio, como na combinação de técnicas de robótica com a medicina para criar, por exemplo, próteses que se adequam ao mundo real de forma mais próxima do movimento corporal.
Atualmente, se estima que existem mais de 14,4 milhões de pessoas com deficiência no Brasil (7,3% da população com dois anos ou mais) – os dados são do último Censo demográfico do IBGE, de 2022. Imagine próteses capazes de transformar completamente a vida dessas pessoas, superando integralmente as dificuldades que elas enfrentam por conta de suas deficiências.
Ouso dizer que esses avanços impactarão questões ainda mais complexas, como a exploração de ecossistemas perigosos, como áreas onde humanos não conseguem viver, como o fundo do mar ou mesmo o espaço. Pode até parecer um pouco de ficção científica, mas a verdade é que com a IA física, estamos testemunhando os primeiros passos de uma transformação tão grande que irá mudar a realidade para sempre. Com a IA física, não estamos apenas ensinando máquinas a se mover. Estamos redefinindo o que significa viver, agir e inovar no mundo.
Marcio Aguiar é diretor da divisão Enterprise da Nvidia para América Latina.