Ouvimos com frequência que estamos atravessando tempos cada vez mais complicados. A esta máxima, podemos acrescentar a necessidade latente das organizações estarem prontas para resolver problemas igualmente difíceis, de formas até então inéditas.

Quando pensamos no arcabouço tecnológico necessário para acelerar esta busca por respostas, uma das principais frentes de inovação é a computação quântica. Este campo emergente da ciência da computação e engenharia utiliza as características únicas da mecânica quântica para resolver temas complexos que vão além da capacidade até mesmo dos computadores clássicos mais poderosos.

A computação quântica traz uma onda de evolução tecnológica que deve transformar a forma como processamos informações. Diferente dos computadores ditos tradicionais, que operam com bits binários e só podem estar nos estados 0 ou 1, computadores quânticos utilizam qubits, unidades de processamento capazes de existir simultaneamente em múltiplos estados. Esta forma de funcionamento é o que permite uma capacidade de processamento muito superior para problemas complexos.

Dentro do campo da computação quântica, temos a inteligência artificial (IA) quântica, ou quantum AI. Esta abordagem utiliza computadores quânticos e seus recursos exclusivos para acelerar processos de IA, como análise de dados, aprendizado de máquina e otimização de sistemas complexos. O objetivo da IA quântica é aumentar a eficiência dos modelos de IA, acelerar a resolução de problemas e impulsionar avanços nas mais diversas frentes de negócio.

Ainda que a tecnologia esteja em um estágio experimental, a percepção de ganhos por parte dos tomadores de decisão em tecnologia é notável. Uma nova pesquisa, conduzida pela consultoria IDC em parceria com o SAS com mais de 2.300 respondentes em todo o mundo, explora os ganhos que estes líderes imaginam que a abordagem poderia trazer para os seus negócios.

A pesquisa, que em sua base de participantes teve foco nos segmentos de bancos, seguros, governo e saúde, trouxe alguns dados interessantes. Primeiramente, 30% dos tomadores de decisão entrevistados disseram ter familiaridade com a IA quântica, e 25% disseram confiar na abordagem, embora ainda haja um número limitado de casos de uso conhecidos publicamente e o desenvolvimento esteja concentrado em mercados como os Estados Unidos, Europa e alguns centros de inovação na Ásia.

O potencial para a América Latina

Ainda que o desenvolvimento da IA quântica esteja concentrado principalmente em determinados mercados, a América Latina e, em particular, o Brasil, estão diante de oportunidades interessantes para aproveitar esta evolução. Afinal, desafios complexos (e candidatos ideais para soluções baseadas em IA quântica) não faltam na nossa região, em áreas como agricultura, serviços financeiros, gestão de recursos naturais, planejamento urbano e infraestrutura.

Como a maior economia da região, o Brasil tem um enorme potencial para se tornar um hub de inovação em IA quântica na América Latina. Nosso país já tem instituições de pesquisa de ponta e uma comunidade científica robusta que pode impulsionar o desenvolvimento desta tecnologia. Além disso, setores estratégicos da economia, como o agronegócio, energia e mineração, podem se beneficiar muito dos recursos avançados de análise de dados, otimização e aprendizado de máquina que a IA quântica oferece.

Na agricultura, por exemplo, esta tecnologia pode transformar a análise preditiva de safras, processando simultaneamente dados climáticos, de solo, mercado e logística para otimizar decisões em tempo real. Algoritmos de machine learning quântico podem identificar padrões em grandes volumes de dados agrícolas que seriam impossíveis de detectar com a IA tradicional. No setor energético, modelos de IA quântica podem acelerar a transição para fontes renováveis através da otimização inteligente de redes de distribuição e previsão mais precisa de demanda energética.

Para a América Latina como um todo, essa nova fronteira da IA pode ser o trampolim de um salto qualitativo em frentes onde a região enfrenta desafios históricos. Por exemplo, a otimização inteligente de cadeias logísticas, utilizando algoritmos quânticos, pode ser instrumental para economias com dimensões continentais, como a nossa, e que tem uma infraestrutura em desenvolvimento.

Em serviços financeiros, modelos de IA quântica podem processar cenários de risco extremamente complexos e detectar padrões de fraude com precisão sem precedentes, fortalecendo mercados emergentes. E na saúde pública, a capacidade de treinar modelos de IA com grandes conjuntos de dados epidemiológicos pode melhorar muito a resposta a crises sanitárias e a personalização de tratamentos.

Esta nova abordagem também tem um potencial gigantesco para desafios urbanos em contextos latinos. Sistemas inteligentes podem otimizar o fluxo de tráfego em grandes centros como São Paulo ou Cidade do México, gerenciar recursos hídricos de forma mais eficiente e melhorar a segurança pública através de análise preditiva avançada. Tudo isso processando volumes de dados e variáveis que ultrapassam a capacidade da IA convencional.

Porém, acredito que a América Latina não deve ser apenas uma consumidora de IA quântica, mas uma protagonista neste processo. Para isso, precisamos de investimento estratégico em pesquisa, formação e a criação de ecossistemas de inovação. Parcerias entre universidades, governos e setor privado serão fundamentais para construir essa capacidade local, e garantir que a região possa competir globalmente nesta nova fronteira da IA.

A necessidade de estratégias claras

Do ponto de vista das organizações, existem muitas aplicações promissoras da quantum AI, mas também há barreiras. Outra pesquisa do SAS realizada com 500 líderes de vários segmentos buscou entender os entraves para a adoção de IA quântica e identificou desafios como o alto custo, fator citado por 38% dos respondentes, seguido de falta de compreensão e conhecimento da tecnologia (35%), e outros fatores como a falta de expertise (31%) e a ausência de uma base regulatória (26%).

Estes dados ilustram que, para aproveitar todo o potencial dessa tecnologia, organizações precisam desenvolver estratégias claras de investimento, além de se preparar para usá-la. Isso inclui, mas não se limita, a identificar quais problemas quânticos são mais relevantes para o seu negócio e investir no desenvolvimento de talentos para trabalhar nesses projetos. A demanda por profissionais com expertise nesta frente só vai aumentar e vai exigir uma abordagem interdisciplinar que combine conhecimentos de diferentes áreas, desde física e matemática até ciência da computação e domínio específico do negócio.

Ainda sobre desafios, será importante entender que a IA quântica não traz um passe de mágica para todos os problemas de uma organização. Ela é mais eficaz em problemas específicos de otimização, simulação e processamento de cenários extremamente complexos. Por isso, as organizações precisam estar preparadas para usar essa tecnologia de forma estratégica, chamando recursos quânticos para os aspectos mais desafiadores de seu processamento de dados, enquanto mantêm a computação clássica para outras tarefas.

Estamos na era da inteligência artificial, mas a computação quântica aliada à IA já está aqui, e é a próxima fronteira tecnológica. As empresas que começarem a se preparar agora, investindo em pesquisa, desenvolvimento e formação de equipes especializadas, terão uma vantagem competitiva significativa, como tende a ser o caso em saltos de evolução tecnológica altamente disruptivos.

A IA quântica não é mais uma possibilidade distante. É uma realidade emergente que deve transformar completamente a nossa compreensão de processamento de informações e a resolução dos problemas mais desafiadores que precisamos enfrentar.

André Novo é country manager do SAS Brasil