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Governos precisam ir além da tecnologia para avançar em IA

Foco em capacitação e na transformação cultural estão entre os principais fatores que podem contribuir para a evolução da inteligência artificial no setor público

24/04/2025Por André Novo

Governos precisam ir além da tecnologia para avançar em IA
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Quando falamos sobre transformação digital no setor público brasileiro, há duas realidades que parecem caminhar em ritmos diferentes. De um lado temos o entusiasmo pela adoção de novas tecnologias e, do outro, obstáculos das rotinas e processos dessas organizações que dificultam sua implementação concreta. A nova pesquisa da Economist Impact, patrocinada pelo SAS, traz um retrato vivo dessa situação.

Um tema interessante da pesquisa é que os servidores públicos brasileiros estão, de fato, empolgados com as possibilidades da inteligência artificial (IA) – cerca de 70% acreditam que ela terá um grande impacto na produtividade das repartições públicas. Vale notar que este número é bem mais expressivo do que a média mundial, de 52%. Esse otimismo casa perfeitamente com o movimento que temos notado ao longo dos últimos anos: depois das experiências no âmbito digital forçadas pela pandemia, o apetite por soluções tecnológicas avançadas no governo aumentou.

Porém, os dados mostram que existe uma grande lacuna entre a realidade e a expectativa. Somente um quarto das organizações públicas brasileiras conseguiu implementar suas iniciativas de transformação digital de forma mais ampla. Isso reforça a constatação de que o estágio de maturidade em IA ainda é inicial e revela os muitos desafios que precisamos enfrentar. A boa notícia é que a maioria já deu pelo menos os primeiros passos nesse sentido, com 50% relatando implementações parciais em frentes como segurança cibernética e prevenção de fraudes, ou planejando avançar logo nessas frentes.

De volta aos desafios, um dos maiores nós a desatar para reimaginar de fato a produtividade no setor público com IA é a falta de investimento em treinamentos de qualidade. Quase três quartos dos servidores brasileiros apontam essa carência como um problema sério. Importante destacar que esta é uma preocupação muito mais latente por aqui, do que no resto do mundo, confirmando algo que já discutimos nesta coluna: sem capacitação interna, não formaremos os profissionais necessários para essa revolução tecnológica no governo.

A falta de pessoas qualificadas, que é um efeito colateral desta lacuna de capacitação, também pesa bastante. Cerca de 68% dos brasileiros veem esse problema como algo crítico, contra apenas 41% globalmente. Esses dados evidenciam a necessidade de encontrar formas de atrair e manter talentos nos órgãos públicos, especialmente considerando que a iniciativa privada disputa esses mesmos profissionais a peso de ouro.

Pessoas e cultura no centro das discussões

Outro aspecto interessante do estudo é que os servidores brasileiros também se preocupam mais com os riscos de vieses e erros nos sistemas de IA – 36% veem isso como um ponto importante, quase o dobro da média global. Esse cuidado mostra uma consciência saudável sobre as questões éticas envolvidas na automação de decisões que afetam diretamente a vida das pessoas.

Falar sobre humanidade nos leva para o cerne da questão: a tecnologia sozinha não traz automaticamente ganhos de produtividade para os governos. Esta constatação resume algo fundamental que precisa ser colocado no centro das discussões sobre IA no setor público: precisamos olhar para além das máquinas e sistemas, e falar sobre pessoas e cultura organizacional. Caso contrário, continuaremos falando de um avanço a passos lentos, assim como comentamos há um ano.

Para que a IA e os dados realmente transformem o setor público, precisamos cultivar um ambiente que respire inovação, em que os profissionais não tenham medo de experimentar e saibam lidar com riscos calculados. Isso significa transpor barreiras entre departamentos, repensar processos antigos, estimular o trabalho colaborativo entre diferentes áreas e equipar as pessoas com os conhecimentos necessários para trabalhar na era da IA – e isso não se limita a temas técnicos.

Tomar decisões baseadas em dados – possibilidade apontada por 52% dos entrevistados como algo com grande potencial para ganhos de produtividade – só funcionará de verdade se criarmos uma cultura que valorize fatos e esteja disposta a questionar o jeito que as coisas sempre foram feitas. Da mesma forma, investir em segurança digital e proteção de dados precisa fazer parte do DNA das instituições, ao invés de ser apenas um projeto isolado do pessoal de TI.

Idealmente, a transformação digital nos órgãos públicos brasileiros deveria seguir uma evolução natural: primeiro digitalizando processos básicos (adeus papel!), depois otimizando fluxos de trabalho e, finalmente, criando modelos completamente novos de serviços públicos. Mas a realidade é que, na prática, muitas instituições ainda estão engatinhando nesse sentido.

Para dar um empurrão nesse processo, o melhor caminho é começar pequeno, mas com objetivos claros. Escolher áreas específicas onde a IA e os dados podem fazer diferença imediata, montar projetos-piloto bem focados, mostrar resultados concretos e, a partir daí, expandir gradualmente.

Um bom exemplo é o uso de análise preditiva para identificar possíveis casos de sonegação fiscal, que já mencionamos antes como caso de sucesso. Quando um projeto assim mostra resultados tangíveis – como aumento na arrecadação ou menos horas gastas em auditorias manuais – é menos complicado convencer gestores e políticos a apoiar iniciativas mais ambiciosas.

Outro ponto crucial é a criação de parcerias entre governo, universidades e empresas de tecnologia. Alianças deste tipo podem ajudar a superar a falta de especialistas, trazer conhecimentos de ponta e acelerar a aplicação de soluções inovadoras.

Para que essas parcerias deem certo, os gestores públicos precisam ter clareza sobre o que querem alcançar e capacidade para avaliar criticamente as propostas tecnológicas. Isso reforça a necessidade de programas de capacitação que vão além das habilidades técnicas, incluindo também competências em gestão da inovação e transformação digital.

A pesquisa da Economist Impact confirma que a IA tem potencial real para transformar o setor público brasileiro, mas também deixa claro que estamos só no começo dessa jornada. Para avançar mais concretamente, precisamos ir além da simples compra de ferramentas tecnológicas e construir um ambiente fértil para a inovação, com investimentos em pessoas, mudanças culturais e um novo desenho organizacional.

Como já destacamos anteriormente, pequenas melhorias de produtividade, ao longo do tempo, fazem uma enorme diferença na vida das pessoas. Este deve ser o norte de toda iniciativa de transformação digital no setor público: criar valor real para a sociedade, seja através de serviços mais ágeis, decisões mais acertadas ou uso mais eficiente do dinheiro público.

O caminho de evolução da IA no setor público é repleto de pedras, mas o entusiasmo dos servidores brasileiros e o crescente reconhecimento da importância estratégica da tecnologia são sinais de que estamos no rumo certo. O sucesso vai depender da nossa capacidade de juntar visão de futuro com execução prática e, acima de tudo, foco nas necessidades reais dos brasileiros.

André Novo é country manager do SAS Brasil

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#AI#governo#IA#inteligência artificial#servidores

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