Diversidade é condição para o sucesso da IA, diz VP do Banco do Brasil
Em entrevista exclusiva, Marisa Reghini, vice-presidente de Negócios Digitais e Tecnologia do Banco do Brasil, revela como a instituição alia inclusão, inovação e estratégia para garantir que a transformação digital não deixe ninguém para trás
24/06/2025
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Crédito: Fernando Santos/Divulgação
Por Elaine Nishiwaki
A inteligência artificial já está entre nós — nos algoritmos que sugerem produtos, nas análises que prevêem comportamentos e nas decisões que moldam o futuro de milhões de pessoas. Mas quem está por trás desses códigos? E quais vozes estão sendo ouvidas na construção dessa nova era digital?
Para Marisa Reghini, vice-presidente de Negócios Digitais e Tecnologia do Banco do Brasil, não há mais espaço para desenvolver soluções tecnológicas com equipes homogêneas. “Criar algoritmos sem diversidade é um risco que não podemos mais correr”, afirma.
Em entrevista exclusiva ao AIoT Brasil, ela detalha como o BB, uma organização com mais de dois séculos de história, está enfrentando esse desafio com estratégia, intencionalidade e investimento em capacitação.
AIoT Brasil — Como você define o papel da liderança na construção de uma cultura digital inclusiva, especialmente em uma organização centenária como o Banco do Brasil?
Marisa Reghini — Acredito muito que a liderança acontece pelo exemplo, o discurso deve ser acompanhado da prática. Quando falamos da construção de uma cultura digital inclusiva, a liderança exerce um papel fundamental, começando pelos valores. Diversidade e inclusão não são apenas compromissos institucionais do Banco do Brasil, são pilares estratégicos que orientam nossas decisões, nossas soluções e a forma como nos relacionamos com a sociedade.
Como uma organização de 216 anos presente em todo o território nacional, temos a responsabilidade de garantir que a transformação digital seja acessível a todos. E isso só é possível quando a liderança atua de forma intencional para criar ambientes seguros, plurais e colaborativos, assegurando que todas as vozes sejam ouvidas e valorizadas.
A principal ferramenta para essa construção de uma cultura digital inclusiva é a capacitação. No BB, investimos fortemente em programas de formação que democratizam o acesso ao conhecimento tecnológico. Um exemplo é o programa AcademIA, que capacitou mais de 24 mil funcionários em inteligência artificial, sendo que mais de 70% deles não possuíam formação prévia na área. Isso mostra que, com as oportunidades certas, é possível ampliar a participação de públicos diversos na construção do futuro digital.
A liderança, portanto, precisa ser facilitadora nesse processo, promovendo políticas inclusivas, incentivando o aprendizado contínuo e garantindo que ninguém fique para trás, pois uma cultura digital só é verdadeiramente inclusiva quando reflete a pluralidade do Brasil.
AIoT Brasil — Qual a sua visão em relação à criação de algoritmos sem equipes diversas por trás dos códigos?
Marisa Reghini — Criar algoritmos sem diversidade nas equipes é um risco que não podemos mais correr. A inteligência artificial está cada vez mais presente em decisões que impactam diretamente a vida das pessoas e, por isso, precisa refletir a pluralidade dos seus usuários. Se os times que desenvolvem essas soluções não forem diversos, corremos o risco de perpetuar desigualdades e reforçar vieses históricos.
Ao longo dos anos, lutamos para ampliar a diversidade na tecnologia, mas ainda assim temos um longo caminho pela frente. Por exemplo, apenas 25% dos profissionais de TI são mulheres e há pesquisas que indicam que levaremos cerca de 135 anos para alcançar a equidade de gênero na Tecnologia.
Hoje estamos diante da Inteligência Artificial, uma tecnologia que é amplamente usada pelas pessoas (ainda que elas não percebam) e é imprescindível ampliar a diversidade no desenvolvimento dela. Isso significa incluir diferentes gêneros, raças, idades, formações e vivências no processo de criação dos algoritmos, pois só assim conseguiremos construir soluções mais justas, éticas e representativas.
No entanto, vivemos hoje um momento único: a IA chegou como uma novidade para todos. Homens e mulheres estão em pé de igualdade no que se refere a essa tecnologia e independentemente da formação ou da área de atuação, todos estamos aprendendo juntos, o que nivela o ponto de partida. Essa é uma oportunidade valiosa para trazer pessoas diversas para o desenvolvimento dos códigos, quebrando barreiras que antes pareciam intransponíveis quando nos referimos à diversidade no mercado de TI. Não estamos falando apenas de justiça, mas sim de uma condição para que a tecnologia funcione bem para todos.
AIoT Brasil — Como o Banco do Brasil equilibra a digitalização acelerada com o compromisso de não deixar ninguém para trás — especialmente populações vulneráveis ou pouco digitalizadas?
Marisa Reghini — No meu ponto de vista, nosso principal ponto de equilíbrio nesse sentido é a estratégia fígital. No BB, acreditamos que a transformação digital precisa ser inclusiva por essência, e ao integrarmos o físico e o digital, garantimos que cada cliente tenha acesso ao banco da forma que melhor atende às suas necessidades. Afinal, perseguimos a hiperpersonalização e queremos oferecer um banco para cada cliente.
Enquanto avançamos com soluções digitais robustas, como nosso aplicativo, que oferece uma experiência personalizada e segura para quem já está familiarizado com o ambiente digital, mantemos uma presença física capilarizada em todo o país, inclusive em localidades remotas, para atender quem ainda precisa do contato presencial.
Essa abordagem é especialmente importante em um país tão diverso quanto o Brasil. Respeitar diferentes níveis de letramento digital, acesso à tecnologia e preferências de relacionamento, nessa combinação de presença física e inovação digital, nos permite avançar com a digitalização sem deixar ninguém para trás.
AIoT Brasil — Quais são os principais desafios que você observa hoje quando tentamos unir diversidade, tecnologia e inteligência artificial de forma prática?
Marisa Reghini — Um dos maiores desafios é sem dúvida romper com estereótipos históricos que afastaram mulheres e outros grupos da tecnologia. Precisamos trabalhar a base. A formação de talentos diversos em tecnologia começa cedo, com o estímulo ao interesse por áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) ainda na infância e adolescência. Isso exige ações educativas, representatividade e o combate a estereótipos que ainda associam tecnologia a um universo masculino.
Nesse sentido, o Movimento Mulheres na TI aqui do Banco do Brasil, uma iniciativa auto-organizada, promove ações como mentorias, oficinas, workshops e palestras em escolas, com o objetivo de desmistificar a área de TI, promover o protagonismo feminino e ampliar a representatividade na tecnologia. Em 2024, o movimento impactou mais de 17 mil pessoas, com destaque para as mais de 1.240 sessões de mentoria realizadas e 178 mulheres mentoradas, reforçando o compromisso do BB com a diversidade e a inclusão no contexto digital.
Mas há também um desafio mais sutil e igualmente importante, que é o de conscientizar as mulheres de que é possível ascender na carreira, inclusive em cargos de gestão, conciliando vida pessoal, maternidade e ambições profissionais. Muitas vezes, a ausência de modelos femininos em posições de liderança tecnológica reforça a ideia de que esse espaço não é para elas. Precisamos mostrar que é possível sim ocupar esses espaços, e que a tecnologia pode ser uma aliada nesse processo, oferecendo flexibilidade, personalização do aprendizado e novas formas de atuação.
E por fim, precisamos avançar na cultura organizacional, pois ainda hoje enfrentamos desigualdades salariais na tecnologia, mulheres costumam ganhar 30% menos que os homens no desempenho das mesmas funções. Além disso, ainda nos deparamos com ambientes de trabalho que nem sempre são acolhedores e isso é uma barreira à diversidade, que só será superada com a nossa persistência em falar desse assunto para conscientizar as pessoas.
AIoT Brasil — Como lidar com o paradoxo entre a velocidade da inovação e o tempo que a mudança cultural demanda?
Marisa Reghini — Aqui a questão exige mais do que acompanhar a evolução tecnológica, precisamos criar as condições para que a cultura organizacional evolua junto. No Banco do Brasil, temos buscado esse equilíbrio por meio de uma estratégia de tecnologia fortemente alinhada à estratégia de negócio, sustentada por uma governança robusta, uma infraestrutura de TI adaptável e, principalmente, uma cultura de experimentação e aprendizado contínuo.
A inovação, para nós, não é um fim. Não fazemos TI pela TI, mas sim a TI que faz sentido para o nosso negócio, para os nossos clientes e para a sociedade. Isso significa testar, aprender, ajustar e escalar com responsabilidade. Estimulamos a experimentação como prática cotidiana, mas sempre com propósito claro, alinhamento estratégico e mecanismos de governança que garantem segurança, ética e sustentabilidade.
Nesse processo, a cultura do aprendizado contínuo é incentivada e a Universidade Corporativa do Banco do Brasil é uma grande aliada. Ela tem sido fundamental para disseminar o conhecimento em novas tecnologias, como a inteligência artificial, e para apoiar a transformação cultural da organização, que sabemos que não acontece do dia para a noite.
AIoT Brasil — O que você acredita que o mercado financeiro ainda precisa transformar quando falamos de diversidade no contexto digital?
Marisa Reghini — O mercado financeiro ainda precisa avançar na consolidação de uma cultura digital verdadeiramente inclusiva, começando com o reconhecimento de que diversidade não é apenas uma pauta de recursos humanos, mas uma estratégia de negócio, que inclusive representa lucratividade para as empresas. Um estudo da McKinsey de 2018 realizado com mil empresas em 12 países mostrou que as empresas com maior diversidade de gênero têm 21% mais chances de apresentar resultados acima da média do mercado do que as empresas com menor diversidade.
No Banco do Brasil, temos buscado exercitar a diversidade e a inclusão diariamente. Um exemplo concreto são as soluções de acessibilidade desenvolvidas por times diversos, que conhecem de perto as necessidades dos usuários. Nosso Super App é reconhecido como o mais acessível do mercado financeiro, com funcionalidades como leitura em voz alta e compatibilidade com leitores de tela. Também oferecemos cartões com voz e braile, e mais de 24 mil terminais de autoatendimento com módulos de acessibilidade.
Outra iniciativa que merece destaque é o programa Mulheres no Topo, uma plataforma criada para apoiar o empreendedorismo feminino. Ela oferece educação empreendedora, soluções de crédito, apoio à gestão financeira e histórias inspiradoras de mulheres que superaram desafios como a dupla jornada, a maternidade e a síndrome da impostora. Hoje, mais de 1,3 milhão de empresas clientes do BB são lideradas por mulheres.
Essas iniciativas são alguns exemplos de que é possível integrar diversidade à estratégia digital. À medida que o mercado financeiro como um todo siga esse caminho, teremos soluções mais humanas, representativas e eficazes, com impacto em toda a sociedade.
AIoT Brasil — Olhando para os próximos 5 anos, como você imagina o papel da IA nas decisões de negócios — e como garantir que essa IA reflita a pluralidade do Brasil?
Marisa Reghini — A inteligência artificial é definitivamente uma tecnologia que já superou o hype e veio para ficar. Nos próximos cinco anos, seu papel nas decisões de negócios será cada vez mais estratégico. A IA será fundamental para antecipar tendências, personalizar experiências, otimizar processos e apoiar a tomada de decisão com base em dados. No entanto, à medida que a IA se consolida, o elemento humano se torna ainda mais valioso.
O diferencial competitivo das empresas estará justamente na capacidade de combinar o poder da tecnologia com a sensibilidade humana para decidir onde, como e por que usar a IA, inclusive. Afinal, trata-se de uma tecnologia sofisticada, muitas vezes cara, que precisa ser usada com racionalidade, considerando o impacto nos custos dos produtos e na experiência dos clientes, para garantir eficiência e sustentabilidade.
Quanto a garantir que essa IA reflita a pluralidade do Brasil exige persistência em três frentes: conscientização, para que públicos diversos não sejam apenas usuários da IA, mas também protagonistas no seu desenvolvimento; disseminação da tecnologia, de modo que o acesso ao conhecimento não seja privilégio de poucos; e investimento contínuo em educação, para formar talentos diversos, capacitar profissionais em diferentes estágios da carreira e garantir que a transformação digital seja inclusiva desde a base.