Adoção consciente de IA em um mundo de recursos limitados
O impacto ambiental do uso indiscriminado de tecnologias como a inteligência artificial generativa é real, mas pode ser mitigado
11/12/2024Por André Novo
Tamanho fonte
Ao longo de mais um ano, a inteligência artificial (IA) ocupou o centro da transformação digital em organizações de todos os setores. A essa altura, já estão claros os inúmeros benefícios aos negócios quando a tecnologia é adotada de forma estratégica. No entanto, o hype levou a uma adoção, muitas vezes sem critérios, gerando alguns efeitos negativos como custos desnecessários e impactos ambientais significativos.
Uma consulta ao chatbot de IA generativa ChatGPT, da OpenAI, pode consumir 10 vezes mais eletricidade do que uma consulta ao Google. Fatos como este trazem uma grande mudança de paradigma em relação ao custo e à utilização de energia para manter os data centers que suportam essas novas aplicações de IA, bem como a água necessária para resfriá-los.
Atualmente, o uso de energia por data centers representa cerca de 1-2% da eletricidade global, segundo a Goldman Sachs Research, e esse percentual deve saltar para 3-4% até o final da década. Como consequência desse movimento, as emissões de carbono dos data centers devem mais do que dobrar entre 2022 e 2030.
Nesse contexto, o desafio central para os tomadores de decisão não será apenas como adotar a tecnologia, mas refletir, de forma racional, estratégica e sustentável, se ela precisa, de fato, ser adotada. Essa decisão é um dos temas mais relevantes da indústria de tecnologia na atualidade e será um dos assuntos predominantes no setor em 2025.
O custo da IA a qualquer preço Formas de IA, como a generativa, demandam muitos recursos naturais e apresentam uma emissão de carbono significativa. O treinamento do GPT-3 gerou cerca de 552 toneladas métricas de CO₂, segundo um estudo do Google e da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Isso equivale a dirigir mais de dois milhões de quilômetros em um carro movido a gasolina ou criar cerca de 120 cabeças de gado bovino ao longo de todo o seu ciclo de vida. E versões mais avançadas, como o GPT-4, consomem ainda mais recursos devido à sofisticação de seus parâmetros.
Apesar desse impressionante impacto ambiental, muitas organizações têm buscado surfar a onda da IA sem avaliar sua real necessidade de forma adequada. Com frequência, problemas de negócios que poderiam ser resolvidos com técnicas estatísticas básicas recebem soluções baseadas em IA, muitas vezes por pressão de mercado ou pelo medo de ficar de fora, fenômeno conhecido como fear of missing out (FOMO).
A adoção, sem a devida reflexão, aumenta custos e consumo de energia – sem entregar benefícios proporcionais. Além disso, a IA a qualquer preço pode acabar gerando resultados contraintuitivos. Aqui, me refiro a empresas focadas em obter um rápido retorno do investimento feito na tecnologia, sem dar a devida importância ao planejamento necessário para maximizar seu valor ao longo do tempo.
Alguns estudos, inclusive, já refletem essa realidade. A pesquisa Desafios e os potenciais da IA generativa no Brasil, realizada pelo SAS, identificou que metade (51%) dos respondentes enfrenta desafios na transição do conceito para o uso prático da GenAI e mais de um terço (39%) prevê, ou já teve, dificuldades para comprovar que GenAI gera ROI significativo.
Esses dados ressaltam a importância de um equilíbrio entre urgência e estratégia. Além disso, reforçam a ideia de que a implementação de IA deve ser pautada por um processo criterioso, que considere tanto as questões ambientais quanto os benefícios do projeto em suas diferentes fases de vida.
Uma abordagem colaborativa e responsável Os desafios que a IA apresenta em termos de consumo excessivo de energia precisarão ser mitigados em 2025. Tomadores de decisão deverão priorizar eficiência, repensar o uso de modelos generativos em aplicações onde não são essenciais e investir em tecnologias para mitigar os impactos ambientais.
Além disso, fica evidente que a solução para o impasse do uso da IA em um mundo com recursos cada vez mais escassos não está apenas em escolhas individuais, mas em uma abordagem coletiva. Fornecedores precisarão criar infraestruturas mais econômicas e ecológicas, enquanto organizações que utilizam inteligência artificial terão que gerenciar melhor suas cargas de trabalho — usando a própria IA e a nuvem — para minimizar a duplicação de dados e reduzir o consumo de energia.
Aumentar a eficiência no desenvolvimento de modelos será outro ponto crítico para o próximo ano. Reduzir o tempo de treinamento de um modelo pode diminuir o consumo de recursos e a pegada de carbono associada a essa atividade. Assim como as indústrias automotiva e de eletrodomésticos avançaram na eficiência energética, acredito que a IA possa seguir o mesmo caminho, com modelos mais rápidos e algoritmos mais eficientes.
Por fim, será necessário discutir o tipo de energia utilizada. Apesar do impacto significativo e do fato de que a maioria dos data centers atualmente opera com combustíveis fósseis, é animador observar que a conjuntura atual tem impulsionado a demanda por fontes mais sustentáveis, como nuclear e renováveis. Mas o ponto-chave deste debate é que a transição para modelos energéticos mais eficientes deve ser uma prioridade tanto para fornecedores de tecnologia quanto para as empresas usuárias.
À medida que a crise climática se firma como um tema urgente para negócios de todos os segmentos, será importante lembrar que a IA não é uma solução para todos os problemas e que sua aplicação sem critério pode gerar mais desafios do que benefícios. As consequências ambientais do uso indiscriminado dela são muito sérias e reais, mas podem ser mitigadas com colaborações estratégicas – e, sobretudo, escolhas conscientes.