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A IA não pode ser um gargalo na empresa

Em entrevista ao AIoT Brasil, Cristiano Nobrega, Chief Data Officer na Totvs, fala sobre a nova estrutura da empresa para a área e traça um futuro com a intersecção de tecnologias como IA, computação quântica, edge computing e realidade aumentada

21/06/2024

A IA não pode ser um gargalo na empresa
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imagem: Cristiano Nobrega, CDO da Totvs (foto: divulgação)

Por Daniel dos Santos

Em uma sala localizada ao lado de um grande auditório, a voz de Cristiano Nobrega, CDO (Chief Data Officer) da Totvs, o homem que comanda a área de IA e dados da gigante brasileira de sistemas corporativos (empresa que conta com mais de 10 mil colaboradores), competia com a música no último volume que vinha do auditório com capacidade para 3.000 pessoas que lembrava uma grande rave ou mesmo um show de rock, repleto de fãs, com gritos animados de desenvolvedores e clientes.

O evento era o Universo Totvs 2024, que reuniu mais de 16.000 pessoas (a maior parte pagante) em seus dois dias de evento esta semana, para verem mais de 300 palestras e aulas de grandes nomes internacionais da área de tecnologia (como o futurista-chefe, consultor e CEO da Signal and Cipher, Ian Beacraft), grande parte delas tendo como tema inteligência artificial e dados, a área que Nobrega reformulou este ano na Totvs.

Em entrevista ao AIoT Brasil, o executivo, que fundou em 2012 a Tail, startup focada em aplicações  de Big Data e IA, comprada em 2020 pelo grupo Totvs, falou sobre essa nova estrutura, sobre o desafio de não ser um “gargalo” dentro da empresa, detalhou como a Totvs utiliza a IA e deu uma pista de como será o futuro na área da tecnologia, que na sua opinião deve reunir um mix de IA generativa, computação quântica, edge computing e realidade aumentada, entre outras tecnologias.

AIoT Brasil – Já me disseram que você é o dono da IA na Totvs…
Cristiano Nobrega, CDO da Totvs – Cara, sabe que essa frase, ela para mim é bastante emblemática. Quando eu cheguei na Totvs, a gente tinha mesmo uma área, que até o ano passado era uma área que, de certa forma, centralizava, que se debruçava sobre projetos e tentava dar vazão a N demandas de toda a companhia. Na empresa, o assunto de IA, ele não é novo. Desde 2010, 2011, a gente já tem aplicações que rodavam com IA preditiva, com dashboards, com análises que poderiam ser feitas ali.

AIoT Brasil – A IA só não tinha esse “sex appeal” que ela tem agora?
Cristiano Nobrega – O hype da IA generativa, que é essa nova fronteira que está todo mundo tateando. Mas quando a gente assumiu e montou essa nova estrutura da área, carinhosamente chamada de IDEIA, que é inteligência de dados e IA, tivemos uma estratégia muito definida, muito clara, que é não ser protagonista, não ser o dono da IA, é fazer com que o protagonismo fique para as áreas. Porque senão a gente vai ser o eterno gargalo.

Já que a gente tem especialistas espalhados, vamos empoderar esses especialistas para que eles façam a história acontecer. Então, a nossa estratégia, ela vem exatamente na contramão de querer ser dono da IA, mas sim ser um centro de excelência que possa, assim, liderar essa agenda transformacional da Totvs e que toda a parte de dados e de IA possa ser facilitada pela nossa atuação.

AIoT Brasil – Qual é a função do Chief Data Officer?
Cristiano Nobrega – Eu acumulo essa agenda de dados e de IA, porque no final não dá para separar uma coisa da outra. A gente costuma falar que sem dados não tem inteligência artificial. Sem dados a  IA não para de pé. Nosso mantra é, os dados precisam estar íntegros, acessíveis, seguros e em prontidão. Se esses quatro elementos forem observados, o dado vai estar pronto para ser usado por qualquer aplicação de IA ou qualquer aplicação que precise desse dado para funcionar. Então é a partir daí que a gente começa a parte “legal”, que é montar um modelo de IA, fazer um caso de uso.

Mas antes disso, em 90% de qualquer projeto tem esse esforço, é resolver a cozinha, resolver a engenharia de dados. Então essa agenda, tanto de dados quanto de IA, ela faz parte da minha responsabilidade. Tentamos trazer as diretivas para que isso possa ser feito de maneira homogênea pela companhia. A  IDEIA tem quatro pilares:

Um deles é justamente a plataforma de dados. Temos um grupo que está debruçado só em arrumar a casa e garantir que os dados estejam devidamente prontos para uso. Inclusive facilitando o compartilhamento entre áreas. Um dado que é útil para um, pode servir para outro. Como é que eu faço isso com governança, com regramento, com segurança? A plataforma de dados cuida disso.

AIoT Brasil – Essa nova estrutura começou em 2024?
Cristiano Nobrega – Sim, foi lançada formalmente no começo do ano mas no ano passado eu já estava planejando tudo isso, junto com a alta gestão. E vamos acelerar a adoção dessa estratégia. No ano passado começamos a estruturar a área nesses pilares que eu estou detalhando. Então a plataforma de dados é um.

O segundo pilar é justamente IA. A gente tem uma plataforma interna que facilita também o uso de modelos de IA generativa. Facilita, por exemplo, todo o consumo de orçamento, de budget para você fazer as requisições dos tokens dos diferentes modelos que estão à disposição. A gente faz a curadoria desses modelos para deixar isso mais acessível para as próprias engenharias. Traz governança nessa história toda.

A plataforma de IA interna possibilita às engenharias trabalharem de forma mais fácil nesses modelos. Desenvolvemos nesse pilar algumas soluções cross que possam ser úteis para todas as áreas. Por exemplo, chatbot usando IA generativa. Todas as operações que têm área de atendimento, elas podem se valer de uma solução que a gente colocou na prateleira para que isso possa ser útil na hora de atender o cliente final.

Outro exemplo, no nosso ERP, o Protheus, com o Protheus Insights, ele usa a inteligência artificial para a previsão de tendências, para saber como o estoque de um produto deve se comportar nos próximos dias, semanas ou meses. Isso pode trazer um insight de tomada de decisão para antecipar a compra com o seu fornecedor, por exemplo.

O terceiro pilar dentro da nossa área é o pilar de governança de dados. Governança de dados eu costumo dizer que funciona como se fosse um grande manual de instruções. Ele que vai resolver os playbooks e olha o que fazer e o que não fazer com dados e IA. Que arquitetura seguir dentro da plataforma de dados ou de IA quais são os requisitos que a gente precisa observar para garantir que o bom uso seja obrigatório ali.

Então é uma área que vai zelar pela forma como dados de IA estão sendo utilizados no dia a dia por todas as áreas. É uma área que trabalha em parceria com a área de TI, de segurança da informação, por exemplo. Então a gente tem nesse pilar, inclusive, o cuidado com dados pessoais e conformidade com a LGPD, por exemplo.

E eu tenho um quarto pilar, quarto e último, mas não menos importante, muito pelo contrário, que é o pilar de cultura. Cultura Data Driven.

AIoT Brasil –  E o que esse pilar faz?
Cristiano Nobrega – Mais do que aculturar os totvers, a gente tenta literalmente nivelar, homogeneizar o conhecimento na companhia. Porque é uma companhia muito grande, são 10 mil colaboradores com diferentes áreas, com diferentes iniciativas, como eu falei, cada um aí protagonizando o seu segmento.

E isso precisa ser usado em favor do todo. Então como é que eu crio uma abordagem que ajuda todo mundo a ter um conhecimento nivelado, a conhecer o que está acontecendo aqui e ali? A partir disso, a gente tem uma série de iniciativas em cultura que começa com o que a gente batizou de Academia de Dados IA.

Foi uma iniciativa que a gente lançou junto com o pessoal da Universidade Totvs e que ela se propõe a ser um grande núcleo de trilhas relacionadas a como trabalhar com dados e IA dentro da companhia para que a gente, tenha ali conhecimento para se reciclar, para se capacitar, para se aprofundar no tema. Para os gestores estarem absolutamente versados e confortáveis com o tema de dados IA dentro da companhia para a gente poder dar andamento nesse projeto.

AIoT Brasil – Fale um pouco mais sobre  a importância dos dados para o sucesso de uma estratégia de uso de inteligência artificial nas empresas…
Cristiano Nobrega – Não tenho dúvida que o uso de dados, olhando o mercado como um todo, é uma questão de competitividade das empresas. É meio que o si o si, ou você joga esse jogo ou você vai ficar para trás. É óbvio que o dado, ele é meio que a ponta do iceberg. Ou talvez até o inverso… A ponto do iceberg é a IA, o que está por trás ali são os dados.

Mas é uma coisa que não fica sem a outra, como a gente falou. Então, se você sabe conjugar bem essa agenda de dados e IA, você está se habilitando para o jogo que começa a se jogar daqui para frente, para o novo tabuleiro que está posto aí.

No caso da Totvs, a nossa estratégia foi simples. Olhar o caso de uso em primeiro lugar. Não é a IA pela IA, o dado pelo dado. É como isso pode transformar a vida do nosso cliente. Pode tornar ele mais eficiente, pode resolver mais as dores que ele tem. Então, o que a gente faz é eleger os casos de uso, identificar as melhores hipóteses de como esses casos de uso podem ser resolvidos usando a IA e testar.

E aquilo que vai se provando, e a gente embarca nos produtos. Eu dou o exemplo lá do Protheus Insights, que usa a IA para tomada de decisão mais fácil, mais ágil para o nosso cliente, mas tem N outros exemplos.

Olha só o tempo que a gente é capaz de salvar com esse tipo de aplicação para os nossos clientes poderem dedicar esse tempo para outras coisas. A nossa missão é entender esse tipo de oportunidade e nos nossos produtos a gente criar essas facilidades para que a IA seja adotada por nossos clientes quase que instintivamente, sem ele precisar se mobilizar.

AIoT Brasil – As empresas nos últimos anos têm coletado muitos dados e parece que chegou a hora de usar esses dados. Mas como estruturar bem esses dados para que eles sejam úteis de verdade para a IA e para empresa?
Cristiano Nobrega – Acho essa pergunta excelente. Até porque, falando no contexto de IoT, a originação do dado hoje vem ganhando um leque de possibilidades meio que infinito com os devices que são capazes de coletar e estruturar dados de maneira que a gente jamais viu. Eu aqui mesmo, com esse reloginho aqui…

AIoT Brasil – Está produzindo informação, mesmo quando está dormindo…
Cristiano Nobrega – Isso, se a gente olhar para todos os momentos da nossa vida ou de uma cadeia produtiva, a gente potencializou essa capacidade de ter dados à nossa disposição. Mas você disse bem. Como é que eu organizo tudo isso? Não adianta nada coletar se você não sabe o que fazer ou como fazer com esses dados para eles estarem praticamente prontos para uma análise, para uma ação. Por isso que eu falei que, na nossa agenda, o principal, se eu fosse colocar em uma ordem de prioridade, é organizar os dados, organizar a cozinha.

Porque, sem isso, nada mais para de pé. Então, na nossa plataforma de dados, na nossa agenda de dados, quais são os nossos grandes direcionadores? O primeiro deles é garantir que a gente tenha um ciclo de vida fluido. Para que todo o data magic aconteça de um jeito que possa facilitar o trânsito desse dado, desde a sua originação até a sua aplicação.

AIoT Brasil – No final das contas, tudo se resume a ter processos?
Cristiano Nobrega – É isso. Uma coisa que para a gente é a chave na nossa equação é que você imagina o tamanho da Totvs e a diversidade de produtos que ela possui, a quantidade de colaboradores, de áreas que estão hoje trabalhando dados, do seu jeito, como é que eu crio regramento em cima disso? Como eu faço tudo isso de um jeito seguro, olhando todo esse fluxo da maneira mais eficiente possível, mas sem travar as operações?

Então, a beleza da nossa abordagem é que a gente hoje consegue respeitar as individualidades de cada uma das áreas de como elas estão fazendo isso. A gente leva recomendações de boas práticas para elas saberem o que elas devem seguir, a gente leva regramento para mostrar o que é e o que não é negociável, porque tem coisas que não são negociáveis.

AIoT Brasil – Temos falado muito sobre dado sintético. Qual é a importância dele dentro do panorama atual de inteligência artificial?
Cristiano Nobrega – O dado sintético é o dado gerado pela própria IA, em aplicações diversas que você programa a IA para gerar esses dados. E eles são, também, nessa linha das novas fronteiras que estamos desbravando, talvez sejam uma das mais interessantes e promissoras, porque permite acelerar os processos de experimentação. Demoraria muito a gente eventualmente fazer isso, coletando os dados gerados em uma experimentação real, até que pudesse analisá-los.  Para mim, o que é mais emblemático em termos de aplicação é no setor da saúde, onde a gente, por exemplo, consegue criar dados sintéticos para fazer análise de novos medicamentos, de vacinas e assim por diante. Isso é muito disruptivo.

AIoT Brasil – Mas como fica a questão da confiabilidade desses dados sintéticos? Eles não podem conter erros?
Cristiano Nobrega – Essa questão da confiabilidade eu não acho que se restringe aos dados sintéticos, se estende a todas as aplicações de IA, em especial a IA generativa, como a gente está se deparando agora e aprendendo como tudo isso funciona. E onde a gente detecta o viés? Nas etapas de treinamento. Nas etapas conseguimos mobilizar os recursos para avaliar os outputs que a gente está recebendo da IA.

“Não é sobre ter uma abordagem passiva e achar que a IA vai responder e vai endereçar totalmente todas as questões que a gente quer . O ser humano vai continuar tendo um papel fundamental nessa história. E esse papel está cada vez mais relevante, exigindo a qualificação nossa para tratar desse assunto”

AIoT Brasil – Um dos papéis de uma empresa do tamanho da Totvs é olhar lá para frente, enxergar o que virá no futuro. Dentro desse contexto, o que virá depois da IA Generativa? O que vocês já estão enxergando lá na frente?
Cristiano Nobrega – A IA generativa é ainda um universo infinito de possibilidades e todo mundo está tateando e aprendendo como ela pode ser útil no nosso dia a dia. O impacto que a IA generativa vai ter, e já está tendo, no nosso comportamento enquanto seres humanos, ele é igual ou consideravelmente maior, exponencialmente maior do que foi, por exemplo, o impacto no nosso comportamento do gerado com o surgimento do Google há 20 anos. Ou, consideravelmente maior do que o impacto que as redes sociais tiveram quando elas surgiram há 10 anos. Então, essa mudança drástica que a gente está se deparando, não à toa está trazendo o que tem sido cada vez mais divulgado, que é o ser humano ampliado, com capacidades aumentadas se a gente souber usar não só o nosso próprio intelecto como também as capacidades da IA a nosso favor.

Então o que vem pela frente é uma equação muito difícil de prever, mas a gente já sabe que ela é inevitável e o que faz a gente estar pronto para ela é que já saiu na frente, experimentando e validando modelos, casos de uso, descartando casos em que a IA generativa não está eventualmente agregando, testando os modelos de LLMs e entendendo o que serve mais para isso e para aquilo e na medida que a gente consiga ir testando e provando esses modelos, a gente só vai exponencializar o uso disso no nosso dia a dia.

Logicamente há outros ingredientes que estão na vanguarda e que nós estamos superatentos a isso, como edge computing, computação espacial, onde você consegue literalmente usar o poder da IoT, essa descentralização radical do processamento para aumentar a nossa capacidade de processar e usar dados a favor. E dentro do contexto de aplicação com IA, por exemplo, outra fronteira que a gente está superantenado. Mais adiante a gente tem Quantum Computing, que hoje ainda está em um nível muito embrionário, mas a gente sabe que tem um poder transformacional também, na maneira como a gente é capaz de processar dados e viabilizar aplicações que hoje não sejam possíveis de equacionar economicamente com a capacidade computacional que a gente tem hoje, também tem realidade aumentada… Tudo isso são temas que fazem parte de tendências que virão por aí e que se intersectam inevitalmente. Dentro desses ingredientes, o céu é o limite.

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#AI#CDO#dados#IA#IA generativa#Universo TOTVS

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