Como aconteceu com o petróleo no século passado, a localização das cadeias de fabricação dos semicondutores definirá a economia e geopolítica mundial das próximas décadas. Estamos vivendo a SILICONOMY
11/03/2024Por Gisselle Ruiz Lanza
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(Imagem: Divulgação Intel)
Por Gisselle Ruiz Lanza*
A tecnologia permeia todos os aspectos de nossas vidas, por isso, vemos uma demanda insaciável por poder de processamento. Alimentada pela Inteligência Artificial (IA) e pela convergência entre computação, conectividade e infraestrutura, essa demanda sinaliza uma nova era – que exige um salto exponencial na tecnologia computacional.
As tecnologias de computação avançadas são para o século 21, o que o petróleo foi para o século passado.
E os semicondutores são mais críticos do que nunca, para alimentar tecnologias essenciais, como a Inteligência Artificial. Do mesmo modo que aconteceu com o petróleo no século passado, será a localização das cadeias de fabricação dos semicondutores que definirá a economia e geopolítica mundial das próximas cinco décadas. Isso nos traz uma nova economia, que estamos chamando de SILICONOMY – ou siliconomia em português.
A humanidade e a tecnologia, analógica e digital, estão interligadas – refletindo o impacto da computação na vida moderna, onde tudo o que é digital é baseado em silício. Hoje, o silício alimenta uma indústria de mais de 500 bilhões de dólares que, por sua vez, impulsiona uma economia tecnológica global avaliada em cerca de 8 trilhões de dólares. A economia digital, contribui com mais de 15% do PIB global e, na última década, tem crescido mais de duas vezes do que o PIB físico. Siliconomy é a economia em crescimento possibilitada pela magia do silício e do software. Mas eu não estou falando do futuro. Estou falando do agora.
Em um dos livros mais lidos de 2023, A Guerra dos Chips, o autor Chris Miller faz uma reflexão de como o silício é importante para nossas vidas e para a História contemporânea: Raramente pensamos nos chips, mas foram eles que criaram o mundo moderno. O destino das nações foi transformado com base em sua habilidade de aproveitar a capacidade de computação. A globalização como a conhecemos não existiria sem o comércio de semicondutores e os produtos eletrônicos que eles possibilitam (MILLER, 2023, p. 15).
De fato, hoje os microchips estão em praticamente todos os lugares ao nosso redor e você provavelmente só está lendo este artigo graças a um deles.
Em busca do poder de processamento
Nesse contexto, o mundo precisa de uma cadeia de suprimento geograficamente diversificada, resiliente, segura e equilibrada. A atual concentração da capacidade de fabricação de chips na Ásia torna o mundo vulnerável a uma escassez contínua e cada vez mais extrema.
Segundo relatório da TrendForce, empresa de inteligência de mercado nas indústrias de tecnologia, a Ásia é responsável por 91% da capacidade de produção global de semicondutores (foundries), sendo: 66% de Taiwan, 17% da Coreia do Sul e 8% da China – o que causa um desequilíbrio na cadeia de produção global em caso de algum evento crítico, como o que presenciamos com a pandemia. Portanto, ampliar a participação na cadeia produtiva de semicondutores é uma questão estratégica para qualquer país que queira reduzir a sua dependência externa para esses insumos essenciais.
Quando falamos de Brasil, há dois momentos marcantes de reconhecimento da indústria de semicondutores. Nos anos 1970, o País construiu uma política de incentivo para a indústria eletrônica e a indústria de semicondutores, implementada nos anos 1980 e abandonada na década seguinte. E em 2000, a indústria de semicondutores entrou na pauta governamental novamente. A política implementada nesse período foi motivada por diagnóstico de que a indústria de semicondutores era o elo ausente no complexo eletrônico com impacto na competitividade da indústria brasileira como um todo.
Em 2007, foi criado o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) para promover avanços na indústria brasileira, mas ainda há um grande caminho para percorrer quando olhamos a participação do país nas cadeias globais de semicondutores.
O programa é um conjunto de incentivos fiscais federais com o objetivo de contribuir para a atração de investimentos nas áreas de semicondutores e proporciona às empresas interessadas a desoneração de determinados impostos e contribuições federais incidentes que vão do desenho e concepção à manufatura de semicondutores.
Mas é fundamental olhar a questão de forma ampla, pois pesam também elementos como disponibilidade de mão de obra qualificada, capacidade do país em atrair talentos de fora e reter os locais, apoio ao investimento direto, pois são projetos que vão de centenas de milhares de dólares a alguns bilhões, facilidade para entrada de insumos no país e exportação de semicondutores, para ficar nos mais críticos.
Definitivamente não é uma questão apenas de incentivos fiscais. Igualmente importante é o desenho de uma estratégia com prioridades e foco. A cadeia dos semicondutores é longa e tem particularidades. Desenvolver o setor de semicondutores é fundamental para termos mais autonomia e crescimento econômico do Brasil no século XXI.
Apenas assim o país deterá uma posição de destaque na corrida global pela inovação. Circunstâncias sociais e políticas recentes mostraram como as interrupções na cadeia de suprimentos afetam severamente nossas vidas. Um fornecimento seguro, equilibrado e sustentável de semicondutores é essencial para os interesses de toda a economia global.
O nearshoring está em ascensão como um poderoso mecanismo para aumentar a resiliência da cadeia de suprimentos e fortalecer o papel do Brasil e da América Latina toda nesse sentido, graças à proximidade com os EUA, um pool de talentos altamente qualificados, integração cultural perfeita e forte investimento em ciência e tecnologia.
Não é exagero falar que a siliconomy moldará as próximas décadas e para dar esse salto exponencial, precisamos romper as barreiras da capacidade de computação, da potência, do acesso aos dados e da segurança. Isso requer investimento focado em semicondutores, administração de tecnologia, reinvenção robusta da cadeia de suprimentos, segurança de dados e colaboração público-privada entre os setores.
*Gisselle Ruiz Lanza é diretora geral da Intel para a América Latina