Por Marcelo Morales

Nascido em São Paulo (SP), formado em administração pela FEA-USP e pai do Thom, Rodrigo Helcer se autodefine como empreendedor de carteirinha, e costuma também incluir a Stilingue entre seus filhos. A empresa é dedicada a entender o que é dito sobre marcas e organizações nas redes sociais, em avaliações de sites e aplicativos, notícias, CRM e canais públicos e privados, e concentrar tudo em um só lugar. Criou e vem aperfeiçoando desde 2014 uma plataforma que ajuda a entender a reputação de seus clientes. Ou seja, muito antes do frisson que a expressão inteligência artificial (IA) passou a gerar, Helcer e seus sócios já estavam dando os primeiros passos nessa disciplina.

Mas Rodrigo Helcer começou mais cedo nos negócios, desde os 24 anos atua na criação de empresas, “com destaque para a Samurai, agência fundada em 2006 e anos depois adquirida pela McCann Worldgroup, a PIC-ME, de 2014, voltada para alimentação saudável e a própria Stilingue, do mesmo ano”. Em 2022 a empresa foi adquirida pela Blip. Hoje, Helcer é acionista e advisor da Blip, membro e investidor do Beacon Founders e colunista do MIT Sloan Management Review Brasil.

Primórdios
“A história começa em 2014, quando dois mestrandos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), localizada na cidade de mesmo nome, em Minas Gerais, criaram um aplicativo chamado Brasum (Sumarização Brasileira), que resumia as notícias dos principais portais da internet. Milton Stiilpen e Brayan Neves, decidiram levar o aplicativo para a Campus Party, em São Paulo, para encontrar um mentor para o projeto. Nos conhecemos, conversamos muito e criamos a plataforma de inteligência artificial de monitoramento de dados Stilingue.

Depois, entendemos que podíamos expandir e aprimorar essa tecnologia para análise e monitoramento de redes sociais. Pensamos em diversos setores que poderiam se beneficiar dessa tecnologia, mas em Marketing teríamos mais facilidade pela minha experiência. A visão era criarmos um software poderoso de text analytic com tecnologia e user experience de ponta.

As redes sociais foram nosso ponto inicial. Depois partimos para imprensa, fóruns como Reddit e, mais recentemente, conversas nos contatos inteligentes de marcas e clientes. Meses depois entraram Leonardo Bombonato, Lucas Soares, Paulo Henrique Mendonça e William Colen. Fizemos uma única rodada de investimentos 4 anos depois do nascimento, quando já faturávamos mais de R$17 milhões por ano. Nessa rodada, o DGF liderou com participação da BridgeOne e alguns anjos americanos de muito valor agregado. Esse foi o grupo de sócios que esteve presente conosco até a venda para a Blip.”

A Universidade
“A origem da Stilingue se baseou em um projeto de mestrado na Universidade de Ouro Preto (UFOP). Depois, o contato na academia e a habilidade do Milton em encontrar talentos com profundidade técnica, trouxe excelentes profissionais para trabalhar na criação e atualização da plataforma. Além disso, nos aproximamos de pesquisadores com interesse em produzir coisas que resolvessem problemas de pessoas e marcas e não somente ganhar louros no laboratório.

Trouxemos também pessoas de cada polo de pesquisa acadêmica (USP, São Carlos etc.) para criar o time de desenvolvimento da Stilingue e esse time captou os alunos certos para compor o squad da empresa. A universidade continua sendo um local importante de recrutamento, com destaque para USP, UFOP, UFMG, UNIFESP, ITA, UFSCar, UFG, entre outras.”

Português, Copa do Mundo e eleições
“Costumo brincar e falar em sermos uma “jabuticaba competitiva”, uma fruta deliciosa e exclusiva do nosso país. Empreendendo na construção de IA desde 2014, descobrimos que atuar com IA no idioma português seria um caminho para nos diferenciar. Atuar com dados e “machine teaching” para o português, o português informal, cheio de abreviações e gírias e sem muito contexto num tweet de 140 caracteres.

Por uma série de motivos – técnicos e de prioridade internacional – para um gringo competir no Brasil com uma tecnologia estado da arte, em português, seria muito improvável no primeiro momento. E em um negócio onde resumir a opinião pública in real time pode mudar o rumo de um negócio em crise, ter o melhor português foi um belo diferencial.

A Copa de 2014 e as eleições trouxeram visibilidade e a oportunidade de desenvolvermos mais o nosso produto. A Copa 2014 representou nossa primeira nota fiscal emitida. E as eleições de 2014, nossa primeira venda recorrente. Hoje, apoiamos marcas e figuras públicas em todos grandes eventos e datas sazonais, quando a exposição de suas marcas e as oportunidades de receita são maiores.”

Evolução
“A empresa se adaptou de maneira ágil aos novos desafios trazidos pelos clientes: demandas específicas, novas redes sociais em ascensão, novas maneiras de consumir e criar conteúdo em redes sociais, novas tecnologias e produtos. Tudo mudou muito nos últimos anos e sempre evoluímos juntos, tínhamos um produto inovador e ele avançou de acordo com nossa demanda comercial. Nosso primeiro financiador foram nossos próprios clientes. Entendíamos a dor, propúnhamos a solução no formato de produto (e não serviço), sem exclusividade e orientado a uso futuro de outras empresas do mesmo setor, combinávamos um prazo de entregas graduais e uma mensalidade recorrente atrelada.

Morávamos em clientes líderes de mercados grandes o suficiente e que bancavam o crescimento do produto, ganhando vantagens de opinar de perto no seu desenho e com prioridade de acesso. As agências de publicidade e marketing tiveram papel central nesse momento. Foram parceiras desde o início. Do nosso lado, desenvolvemos cada vez mais o painel de software e as agências desempenharam o papel de serviço e inteligência de pilotagem.”

Gente
“Tivemos uma formação de talentos muito bem-sucedida em cidades fora dos grandes centros. Comprovamos que em qualquer cidade do Brasil existem talentos com potencial em Engenharia de Software e Ciência da Computação. O que falta é um processo estruturado de formação dessas pessoas, liderado por gestores experientes e treinados para resolverem problemas reais de negócio (códigos e produtos que gerem valor real de negócios e que não sejam simplesmente pensados para reconhecimento acadêmico). E quando digo estruturado, me refiro não só a um processo organizado mas também a uma seleção de barra alta, desafiadora.

Percebemos alguns traços comportamentais que fazem a diferença entre os talentos que passam no nosso crivo e se desenvolvem: a resiliência em errar e refazer, curiosidade por aprender e energia para vencer problemas complexos com uma dose de autodidatismo. Para manter o mesmo espírito dos tempos iniciais, é necessário que se tenha formado uma cultura forte na empresa, em que os princípios sejam coerentes com as ações e decisões tomadas, e ter ritos seguidos com disciplina.
Em 2022, quando foi adquirida pela Blip, a Stilingue contava com aproximadamente 380 funcionários.

Máfia mineira
“Blip e Stilingue fazem parte da “máfia mineira”. Brincadeiras à parte, são duas empresas de destaque, que surgiram no estado. Tínhamos uma proposta para venda, mas decidimos procurar a Blip por entendermos que tínhamos uma sinergia gigante com eles e isso tem se confirmado. Temos a ambição de construir algo maior e global. Nosso desejo de potencializar talentos, produtos, tecnologias e clientes foi nítido. Estamos somando forças para uma nova realidade digital centrada em canais sociais e conversacionais para construir juntos as melhores experiências entre marcas e consumidores.

A plataforma da Stilingue by Blip monitora os principais canais digitais, como redes sociais, notícias, sites de avaliações e transforma todas as informações obtidas em uma inteligência de mercado valiosa. Isto, somado ao fato de que Blip é provedora oficial das principais plataformas de mensageria, como WhatsApp, Facebook para Instagram e Messenger, Google Business Messages, RCS, Google Assistant e Apple Messages for Business, e ainda, possui a plataforma de Business Messaging multicanal mais robusta e sofisticada, nos levará a liderar o futuro do relacionamento entre marcas e pessoas.

Há três anos nosso produto já está adaptado para outros idiomas, principalmente inglês e espanhol. Fizemos um investimento grande e nossa interface é traduzível para qualquer idioma com uso de IA. Nossa aspiração é a Blip ser referência global na categoria em inteligência conversacional orgulhosamente brasileira.”

Inteligência artificial generativa
“Costumo dizer que a IA generativa entrará para a história da humanidade, pois seu impacto causou euforia e temor em dimensões estratosféricas para quase todos os tipos de negócios. Optei por estudar os impactos que a IA generativa pode acarretar nos próximos anos em marketing e comunicação, onde atuo há mais de 16 anos, e acredito que as empresas devem se preparar e usufruir desta tecnologia desde já para se manterem ativas e crescentes.

São poucas as empresas no Brasil que desenvolvem IA pra valer. Será uma experiência nova para a grande maioria. E realmente acredito que nós brasileiros temos total condição de destaque no cenário internacional de IA com base no talento e competência técnica. Para isso, temos duas lacunas para cuidar: baixo investimento governamental em P&D e distanciamento entre os mundos acadêmico e empresarial. A substituição será em tarefas e não em empregos. O ser humano dificilmente substituirá suas tarefas que lhe dão prazer. Logo o risco está no “mono”: empregos mono tarefas e tarefas monótonas.

Nos Estados Unidos de 1900, mais de 50% dos empregos estavam na agricultura. Hoje, são menos de 5%. O que mudou? Em parte, a tecnologia. Com IA será igual. Novos empregos já estão surgindo. O desafio está no processo e na educação necessária para muitos empregados em funções “mono” se reinventarem ou realocarem.”

Exemplo
“Muito do que fizemos na Stilingue pode ser replicável por times iguais ou melhores que os nossos. No artigo que publiquei no Neofeed busquei dar as dicas sobre os principais elementos para vencer em IA. Espero que muitos brasileiros aproveitem essas dicas e tragam valor para sua jornada empreendedora. Ao longo do trabalho na Stilingue, tive muitas pessoas que nos apoiaram com suas experiências mais maduras. Agora é nossa vez de devolver isso para o mercado e as pessoas.”